Autor em destaque - Álvaro Magalhães

Auto-biografia



O meu nome é Álvaro Magalhães. Nasci no ano de 1951 na cidade do Porto, onde sempre vivi (e onde sempre viverei, acho eu).

Quando era pequeno brincava na rua estreita onde morava, envolvendo-me sobretudo em renhidos jogos de futebol que eram interrompidos quando passava um automóvel. Às vezes, porém, faltava aos jogos e passeava sozinho pelas ruas à volta, onde não conhecia ninguém. Ou então ficava em casa a imaginar coisas. Enchia cadernos pautados com poemas e intermináveis histórias. Já então necessitava de inventar poemas e histórias.
Por volta dos meus 11, 12 anos, na escola, descobri que, afinal, a escrita era a minha vocação mais forte, graças a um professor de Português, o “setôr” Órfão. Nos dias de teste, ele escrevia as perguntas de gramática e interpretação no quadro negro com uma letra muito miudinha. Acontece que eu era míope, mas recusava-me a admiti-lo para evitar que os meus pais me obrigassem a usar os óculos que me iriam desqualificar aos olhos dos outros. Quem ia admitir que um “caixa-de-óculos” defendesse a baliza da equipa de futebol da turma? E as raparigas? E o resto? Como podia eu encontrar o meu lugar num mundo tão vasto e tão perigoso com uns óculos de lentes grossas pousados no nariz? Da minha carteira, a meio da sala, só via no quadro uma névoa de poeira esbranquiçada e, então, pedia autorização para me levantar e subir ao estrado, onde as letrinhas brancas ganhavam uma nitidez luminosa.
Quando regressava ao lugar as frases misturavam-se na minha cabeça e às vezes nem de uma questão inteira eu me lembrava. Voltava a repetir a operação mais uma ou duas vezes e depois desistia e investia tudo na composição escrita, a que chamávamos redação.
O setôr Órfão apreciava muito as minhas composições, que lia muitas vezes em voz alta, e dava-me sempre uma positiva elevada, apesar de eu permanecer alheio à maior parte das questões que ele levantara. Não faltava quem me superasse nos conhecimentos de gramática, quem lesse mais e melhor do que eu, mas o “setôr” Órfão considerava que nada disso era tão importante como as minhas redações e no final do ano ofereceu-me a inesquecível coroa de glória de "melhor aluno" a Português, algo que nunca mais se repetiria.
Quando era novo sonhava ser poeta e, por isso, comecei por publicar quatro livros de poesia no início dos anos 80 antes de escrever o meu primeiro conto para crianças e descobrir que era essa a minha principal vocação. Quando a minha filha andava a aprender a ler eu escrevi para ela a história de uma menina que visitava o país das letras e das palavras: "História com muitas letras". Daí em diante nunca mais parei e até hoje já escrevi cerca de 40 livros para os mais novos. E isso é muito consolador porque satisfaz a minha necessidade de sonho. Há quem diga que enlouqueceríamos se não sonhássemos durante a noite. Eu acho que enlouqueceria se não sonhasse também durante o dia.
Claro que muitas outras vezes sou apenas um adulto como todos os outros, mas nessas alturas uso a minha orelha verde. É a orelha esquerda. Essa orelha ouve a linguagem das árvores, dos pássaros, das nuvens, das pedras, enquanto a outra, a direita, apenas ouve o que lhe interessa: as coisas úteis e exatas, as coisas que servem para alguma coisa. Histórias fantásticas, maravilhosas, poemas, nada disso é com ela, são coisas que lhe soam estranhamente. Essa orelha, a verde, ficou-me dos meus tempos de menino, foi a mais preciosa das heranças, e continua a entender os mais novos e a ouvir e a ver coisas que os adultos já não conseguem distinguir.
É essa orelha que me permite aceder à totalidade mágica da existência e entender os mais novos como se fossem companheiros da minha própria infância ou adolescência.
Agora que lhes contei o meu segredo, vejam lá se o sabem guardar.
E pronto, foi assim que tudo se passou. Quanto ao que se vai passar, apenas sei que, apesar de já ter escrito tantos livros, me parece que ainda estou a começar. Todos os dias escrevo e todos os dias tenho novas ideias para novas histórias.

In http://www.nonio.uminho.pt/netescrita/autores/alv_mag.html (adaptado)



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