O que aquela noite me quis dar Eu não estava em casa nessa noite, filho, nem podia estar. Estava nas ruas com os soldados que rumavam às rádios e aos quartéis, engalanados de sombra e de júbilo, a ver o que aquela noite ia dar, o que a nossa liberdade prometia ser. E tu, filho, tinhas a idade rumorejante desse Abril embalado por uma canção do Zeca. Como posso eu explicar-te tudo aquilo que tu nasceste para aprender, para viver? Eu estava aquartelado no meu silêncio de pétalas, sílabas e marés, no meu dédalo de vozes embriagadas pelo vento, na coragem errante das pelejas da infância e pouco ou nada sabia do mistério desse mês capaz de transformar em assombro as nossas vidas. Sim, sou eu neste retrato antigo, a receber em festa os exilados, os que chegavam com grinaldas de cantigas e a flor de uma ilusão bordada a sangue e espuma no capote das nocturnas caminhadas. Sim, sou eu a escrever a primeira reportagem do primeiro de muitos dias em